De repente, qualquer coisa parecia mais interessante do que tudo que se tinha pra fazer. O simples fato de admirar a mão rabiscando palavras sem sentido fazia com que a mente viajasse nos milhares de significados - mais sem sentido, ainda - do desenho daquela mancha branca na unha.
E quando parava pra olhar, largava a caneta e trazia a mão perto dos olhos, que tentavam focalizar uma imagem turva... O que, na verdade, já dava margem pra outras mil filosofias vãs, a partir do desvio do olhar para a sombra na parede.
De silhueta a coelho, de coelho a pomba, de pomba a caranguejo, macaco, cavalo e assim por diante, até os músculos cansarem de se contorcer, formando figuras disformes, contra a luz.
Pausa. Suspiro. É, ainda tem um monte de coisas pra fazer. E o corpo não quer, teima em querer ficar no lugar...O contrário da cabeça, que já tinha ido e voltado da Lua umas duas vezes, perguntado a Saturno qual era o seu anel preferido e viajado por nove galáxias diferentes numa estrela cadente.
Pausa. Baque. A caneta escorrega da mão e cai da escrivaninha, fazendo um barulho que não era bem-vindo, àquela hora. Pessoas se moveram na cama, ao seu lado. Mudaram de posição ou resmungaram alguma coisa. Mas não importava. A viagem ainda estava acontecendo. E não chegaria ao fim tão cedo... Nem mesmo se fosse o querer mais profundo...
[Oh, yeah, baby. E eu ainda tenho prova de Geografia, amanhã.]